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Pensar as migrações à luz da Bíblia: José de Egito,o imigrante, modelo de superação e integração
A história de José (Gn37, 2-50, 26) que encerra o livro de Gênesis, relata a vida de um homem traficado que se torna instrumento de salvação para a sua família. Este relato, embora seja pouco estudado numa reflexão sobre as imigrações, apresenta elementos muito importantes para tal reflexão. É o que pretendo fazer neste post destacando alguns elementos para ajudar na reflexão teológica e na atuação pastoral juntos aos imigrantes.
A problemática da imigração entra nesta história com a venda de José por seus irmãos. Este fato, embora seja por motivo e em contexto diferente, recorda casos de tráfico humano, muito presente nos movimentos migratórios atuais que, não podemos ignorar ao falar das imigrações como afirma David Sanchéz Rubio:
Finalmente, de maneira breve, convém não deixar de mencionar a relação existente entre migração e tráfico, porque em algumas situações os processos migratórios internos e internacionais podem gerar situações de vulnerabilidade nas quais os migrantes passam a ser possíveis vítimas de tráfico.[1]
As ameaças e a venda de José por seus irmãos assemelham-se também às perseguições que sofrem pessoas por parte de governos ou outras entidades dos seus próprios países e, que os obrigam a deixarem as suas terras, na maioria dos casos, em situações difíceis, como a de tráfico.
A acusação injusta de José pela esposa Putifar lembra as dificuldades que encontram os imigrantes no seu lugar de trabalho. Com efeito, muitos imigrantes, além de estarem fazendo trabalho, que na maioria das vezes escravo, sofrem xenofobia e acusações injustas. No meu trabalho pastoral junto aos migrantes na ONG África do Coração[2], é comum ouvir histórias parecidas com a de José. Muitos imigrantes tiveram que deixar o seu trabalho por causa de acusações injustas, de discriminação ou mesmo de ciúmes, como é o caso duma camaronesa que trabalhava num escritório de advocacia e que foi demitida pelo seu chefe, por que a esposa dele achava que ela estava tendo um caso com o seu esposo, o dono deste escritório.
A superação de José e a sua integração na sociedade egípcia podem ser apontados como modelo para os imigrantes. Com efeito, José fiel em seu Deus e na tradição da sua terra, sem perder a identidade soube se integrar na sociedade egípcia, colocando ao serviço deste povo a fé e a sabedoria que adquiriu em sua terra. Isso revela que o imigrante traz com ele valores que, se reconhecidos, podem ajudar na construção econômica e social do país que o acolhe. O imigrante não é, como muitos dizem, um coitado que precisa apenas de caridade, que não tem nada para propor, ou um ladrão que vem para roubar o trabalho dos nativos.
A nomeação de José, um estrangeiro, como administrador do palácio do faraó é o ápice desta integração. Esta nomeação pode servir de base para uma reflexão sobre o direito ao cargo político para imigrantes. Muitos países no mundo não oferecem ainda esta possibilidade aos estrangeiros, dentro destes países figura o Brasil. Com efeito, o Artigo 14, inciso 2º da Constituição Federal Brasileira veda o alistamento eleitoral do estrangeiro, não sendo permitido votar e ou candidatar-se a uma eleição para cargo público.
O relato oferece também elementos de reflexão sobre a questão do direito à reunião familiar para os imigrantes e refugiados reconhecido pelas convenções internacionais. Com efeito, a família de José foi salva, por intermédio de José. Ele conseguiu trazê-la para junto de si para que ela escapasse à fome. Isso mostra o bem que a aplicação do direito à reunião familiar poderia trazer para as muitas famílias hoje no mundo. Infelizmente, a realidade mostra as dificuldades dos governos de Estados a aceitarem este direito. Através desta história a bíblia nos oferece elementos, que se são bem estudados, podem ajudar na atuação da Igreja e de todos homens de boa vontade junto aos imigrantes e refugiados .
Mbaidiguim Djikoldigam, missionário comboniano e graduando em Teologia na PUC-SP
[1]RUBIO, D.S. A imigração e o tráfico de pessoas face a face com a adversidade e os direitos humanos: xenofobia. Discriminação, exploração sexual, trabalho escravo e precarização do trabalho. Disponível em https://www.revistas.ufg.br/revfd/article/view/36477/20458 acesso no dia 26-10-2017.
[2] África do coração é uma ONG criada por refugiados e imigrantes para defender os seus direitos e valorizar as suas culturas aqui no Brasil.